Num artigo publicado em 20021, o filólogo e linguista Telmo Verdelho, falando de dicionários especializados em linguística, considerava que «a história da língua [suscitara] um bom número de trabalhos de índole lexicográfica», mas esperava também que «que os recursos técnicos da moderna lexicografia tragam a este domínio, uma rápida melhoria de produção, em quantidade e qualidade e um fácil acesso aos materiais elaborados».
Duas décadas depois, o lançamento do Dicionário da Língua Portuguesa Medieval (DLPM) vai ao encontro dessa expetativa. Publicado em 2022 pela Editorial Caminho, é o resultado de um projeto que, no Centro de Linguística da Universidade Nova de Lisboa, teve como investigadoras responsáveis Maria Francisca Xavier (1944-2019) e Maria de Lurdes Crispim, que o desenvolveram entre 2004 e 2007, com a colaboração de João Malaca Casteleiro (1936-2020), do Instituto de Lexicologia e Lexicografia da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa.
Para a elaboração do DLPM, foi sem dúvida essencial a experiência que o CLUNL, a partir da década de 90 do século passado e sob impulso de Maria Francisca Xavier, adquiriu com a constituição o Corpus Informatizado do Português Medieval (CIPM), do qual resultou depois o Dicionário de Verbos do Português Medieval. Foi do CIPM, que abrange textos portugueses e galegos de diferentes tipologias dos séculos XII a a XVI, que se extraíram 3 347 916 ocorrências do léxico comum (excluiram-se os antropónimos e os topónimos), convertidas em 17 111 entradas, incluindo variantes gráficas e morfológicas.
Trata-se de uma edição em formato digital, opção que o texto de apresentação associado à publicação da obra explica do seguinte modo: «A edição em papel chegou a ser considerada. Mas as duas mil páginas de grande formato que seriam necessárias e o correspondente PVP aconselharam a que ficássemos pela edição online. O objetivo científico que os autores e a editora procuram fica satisfeito. E os eventuais compradores em qualquer parte do mundo podem obter este Dicionário, que não tem equivalente nem rival no mercado, por um preço bastante baixo e um formato que simplifica o seu uso.»
Especialistas e não especialistas podem, portanto, tomar contacto com o léxico medieval em toda a sua diversidade no tempo e no espaço. Embora muitas sejam as palavras que permanecem na língua contemporânea, outras há que mudaram de configuração e conteúdo, ou que simplesmente deixaram de ter uso. São os casos de babordo, «bombordo», legalho, «ligação», de laido, «feio», macar, «embora», paadinhamente, «publicamente». Refiram-se igualmente dois verbos, a título de curisosidade: maer, «permanecer» e ẽader, «acrescentar», que resiste nos dicionários modernos sob as formas pouco usadas adir, anadir e anhadir (esta praticamente idêntica ao castelhano añadir; cf. Dicionário Houaiss).
É, pois, de saudar o aparecimento do DLPM, depois de tantos anos de espera e apesar de ser triste que dois dos seus coordenadores já não possam assistir ao fruto do projeto que os envolveu. Mas a verdade é que este dicionário se torna um estímulo para mais iniciativas no âmbito da história da língua – por exemplo, o tratamento do onomástico que se encontra no CIPM.
1 Telmo Verdelho, "Dicionários portugueses, breve história", in História do saber lexical e constituição de um léxico brasileiro, José Horta Nunes e Margarida Petter (Orgs.), São Paulo, Humanitas / FFLCH / USP: Pontes, 2002, p.15-64.
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